Olá, queridos !
Hoje o blog conta com a participação da jornalista Stella Bonilha Borzilo sobre a greve do dia 29.03. Confiram !
Em espanhol, a palavra “greve” (huelga) é usada tanto para paralisações indefinidas (tal como em português) quanto para paralisações pontuais (de um dia).
Houve uma huelga general ontem na Espanha com esse último sentido da palavra, para protestar contra a Reforma Trabalhista em trâmite no Congresso Espanhol. Estão em jogo o aumento do tempo de trabalho para a aposentadoria, a redução das pensões e do seguro-desemprego, entre outros pontos.
Eu estive na huelga general madrilenha. O Dia de Paralisações foi convocado pelas maiores centrais sindicais do país: a UGT (tradicionalmente ligada ao PSOE, do ex-presidente Zapateiro) e a CC.OO. (ligada à Izquierda Unida, terceiro maior partido da Espanha). Os professores da rede básica de ensino -- reunidos aqui no movimento Marea Verde -- também aderiram em peso à huelga. Minha universidade (a Autônoma de Madrid) não funcionou (com exceção de algumas aulas pontuais). Além dos grandes sindicados, outros menores (alguns de orientação anarquista) também marcaram presença.
O transporte público (ônibus, Metrô e trens) funcionou com “serviços mínimos” (35% de sua capacidade) e o pandemônio foi similar ao da Estação Sé em São Paulo às 5 da tarde (não digo às 6h porque a lotação nesse horário é absurda – algo impossível em uma cidade três vezes menor)... O metrô passava a cada 20 minutos e vinha tão lotado que era impossível embarcar. O trem passava a cada hora – igualmente, lotado. Os ônibus passavam a cada meia hora, mas não conferi seus estados.
Também não conferi, mas li que os hospitais funcionariam com “serviços mínimos” – como no feriado de Carnaval, por exemplo. A tempo integral, só os bombeiros.
Pois bem. Hoje de manhã, assistindo à TVE (o canal estatal espanhol) me deparo com um debate sobre os impactos da greve de ontem. Na mesa, a mediadora e três debatedores – duas jornalistas de meios de comunicação mais à direita e um jornalista de um diário mais à esquerda.
As duas insistiam que a greve tinha sido um fracasso no país e que não levaria a nada. Argumentavam que só os trabalhadores e os estudantes tinham aderido à paralisação – e que os comerciantes, por exemplo, não tinham aderido em peso.
Ele, por outro lado, dizia que não se pode falar em “fracasso”. Lembrava que em algumas regiões (como o País Vasco e a Catalunha) as manifestações tinham sido enormes e que, sim, parte dos comerciantes (mesmo que não muito numerosa) tinha aderido ao movimento.
O que eu vi: várias lojas fechadas no meu bairro. Até lojas de chineses (de "1,99" ou de roupas/sapatos), que estão abertas os sete dias da semana. Ok, os chineses podem não estar engajados no tema “reforma trabalhista” já que não os toca, diretamente. Mas que as lojas fecharam, fecharam.
O que eu me pergunto é esse sentido de “fracasso” usado pelos jornalistas espanhóis... Fosse em São Paulo, a manchete dos principais jornais no dia seguinte seria: “Cidade pára por causa de manifestação” (ou algo similar) – destacando, claro, o caos nos transportes e nos serviços.
Pensemos nos funcionários da Telefonica Madri, por exemplo (e pensemos no caso correspondente em São Paulo). A sede da empresa está bem longe do Centro (na “Dutra”, forçando uma comparação com São Paulo) e o principal meio de transporte público ali é o Metrô, na porta da empresa.
Se o Metrô não funciona, a segunda opção é pegar um ônibus até a estação de trem mais próxima (a Fuencarral) e, de lá, ir a alguma estação conectada com o Metrô. O que eu vi ontem em Fuencarral às 5h30 da tarde? Dezenas de funcionários da Telefonica tentando subir em um trem lotadaço, que já vinha de uma universidade particular importante (cheio de estudantes, portanto). Alguns não conseguiram subir e tiveram que esperar o próximo trem (que passou uma hora depois).
Pergunta: se isso acontece em São Paulo, os paulistanos estariam falando de “paralisação fracassada”? Vejam como os parâmetros são diferentes dependendo da cidade...
Em Madri, a Puerta del Sol foi totalmente tomada pelos grevistas, como dá pra ver na foto. Eu não consigo chamar isso de “fracasso”...
No fundo, o que as duas jornalistas quiseram dizer é que só as fábricas pararam, e o setor “tradicional” de comércio e serviços (como a Telefonica, os shoppings etc.) funcionou normalmente. Só que elas forçaram um pouco a barra dizendo que “isso mostra que os cidadãos não são contra a reforma trabalhista”. Esse funcionamento normalizado talvez tenha a ver com o medo de perder o emprego em uma época em que todos o perdem sem uma explicação razoável (tudo é culpa da “crise”). Ou com a apatia que reina na Espanha agora, sustentada pelo “fatalismo” de que as ordens de Bruxelas são irrefutáveis (“fatalismo” que tem vários e vários motivos...).
É difícil dizer quais serão as conseqüências políticas do ato de ontem – se serviu ou não para pressionar os deputados que têm nas mãos essa reforma trabalhista. Só posso dizer que ouvi muito barulho. Que minha universidade estava desértica. Que vivi de novo a sensação de embarcar na Vila Madalena às 7 da noite. Que tive que andar 15 minutos até encontrar a “loja de 1,99” mais próxima pra comprar uma palmilha nova pra minha sapatilha. Que vi professores, estudantes, funcionários públicos, sindicalizados e até vovôs e crianças nas passeatas. E que ouvi muita gente insatisfeita com essa reforma.
2 comentários:
lutati sPrimeiro Mundo é outra coisa! Aqui o povo prejudicado parece que gosta! O trabalho que se dane!
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