Aviso: este post é um pouco mais longo.
Como vocês sabem há um movimento na Catalunha para se separar da Espanha e, finalmente, se constituir em um Estado independente e soberano. O presidente daquela região já convocou um referendo para 2014 O governo central avisou que tal evento não vai acontecer. E agora? Hoje publico algumas razões pró-unidade. Posteriormente veremos os argumentos dos separatistas.
Por que a Catalunha não deve se separar da Espanha?
Antes de tudo, um pouco de História (!!!). O
artigo da Wikipédia ajuda: http://es.wikipedia.org/wiki/Historia_de_Catalu%C3%B1a
Uma rápida explicação político-territorial:
- a Espanha se constitui em um Reino dividido
entre comunidades autônomas. Quem é o chefe de Estado é o Rei Juan Carlos I e o
chefe de Governo (aqui chamado de presidente e não primeiro-ministro) é,
atualmente, Mariano Rajoy, do Partido Popular.
- Cada comunidade autônoma elege seu
presidente. Mal comparando, as comunidades seriam o que entendemos por estados
no Brasil, mas com muito mais autonomia. Aproxima-se do modelo americano? Um
pouco, embora o povo daqui não se defina como federal.
Os modelos de eleição se repetem em nível
central e regional. Ou seja: quem forma a maioria no parlamento, leva a
presidência. Em nível central ganhou o PP de lavada. Já na Catalunha, a coisa
foi mais complicada de dois partidos antagônicos, “Convergência e União” e
“Esquerda Republicana” dividem o poder. Até quando?
- As comunidades autônomas, por sua vez, se
dividem em cidades e deputações. Vou te poupar da explicação...
Agora, alguns avisos:
Nas ciências políticas, assim como na vida,
tudo é um ponto de vista. Procurei colocar jornais de direita e esquerda, para
que você tenha uma visão mais abrangente. Tradicionalmente, o partido de
centro-esquerda, o PSOE, é mais pró-autonomia e o de direita, o PP, atualmente
no governo, menos. Exemplo: a política educacional bilíngue foi feita pelos
socialistas; enquanto os populares tentam agora desmontá-la.
Para complicar mais a vida, aqui na Espanha
existem partidos regionais, que tem pouca ou nenhuma expressão nacional. O
“Convergência e União”, atualmente na Catalunha, é um deles. Para completar está
aliado a um partideco de esquerda, o “Esquerra Republicana”, cuja única
semelhança com o primeiro é esta: lutar pela independência da Catalunha.
Igualmente há o problema do regime político.
Como você sabe a monarquia aqui é muito contestada. Ainda mais agora que
descobriram que o genro do Rei tem cara de bonitinho, mas é um tremendo
pilantra. Quem deseja a independência quase sempre é republicano. Claro que tem
as exceções de praxe que dizem que o sistema de governo será escolhido
posteriormente, mas não achei nenhuma referência monárquico-independentista.
Isso acontece porque o Rei é visto como um garante da unidade territorial
espanhola e claro que isso seria incompatível com este projeto. De todas as
formas a ideia não seria absurda porque, nos primórdios, a Catalunha tinha um
soberano.
Ufa! Acho que podemos começar. Repetindo:
Por que a Catalunha
não deve se separar da Espanha?
1- Porque não é necessário.
A Catalunha já goza de uma importante autonomia
dentro do estado nacional espanhol. Possui sua própria polícia, parlamento,
calendário de eleições, sua forma de recolher impostos, um sistema educativo
bilíngue, etc. Além disso, possuem hino, bandeira e dia nacional (a “Diada”,
comemorada em 11/09) exclusivos também. A Catalunha, igualmente, tem
representações diferenciadas dentro das embaixadas espanholas. Aliás, outras
comunidades autônomas da Espanha têm quase as mesmas prerrogativas citadas
acima.
As únicas áreas em que a Catalunha
não tem competência para gestionar são a política econômica e a política
externa. Na prática isso também vale para os estados nos EUA, por exemplo. Mas
mesmo assim aqui há brechas nesta legislação. Tomemos um exemplo: a Catalunha
não pode emitir moeda. O dinheiro se chama “euro”, como um dia se chamou
“peseta”. E ponto final. No entanto, quem decide o que fazer com os impostos
são os catalães e não é preciso dar contas ao governo central. Isso acabou com
a crise e agora eles têm que dizer para onde vai (ou foi) o dim dim.
Em termos de política externa, a
Catalunha não pode declarar guerra a nenhum país, não tem Exército próprio e
voz em fóruns internacionais. Entretanto, como já disse, tem escritórios catalães
dentro de algumas embaixadas espanholas. Igualmente, o Instituto Cervantes
oferece aulas de catalão em suas sedes pelo mundo.
2- Porque os cidadãos estão divididos.
Muitos pensam que a população da
Catalunha apoia em peso a independência. Sim e não. De fato, há manifestações
que reúnem multidões para reivindicar a independência, mas ano passado foi
significativa a quantidade de catalães que saiu às ruas para mostrar seu desejo
de continuar na Espanha. Uma pesquisa recente disse que 53% da população votaria
pela independência. Eu acho pouco para uma decisão desta magnitude.
Mais informações: http://www.lavanguardia.com/politica/elecciones-catalanas/20121024/54353836096/elecciones-catalanas-53-catalanes-a-favor-independencia-referendum.html
3- Porque os cidadãos percebem que é uma manobra política:
Confesso que conheço poucos
catalães, mas os 3 (sem conhecerem-se entre eles) dizem a mesma coisa: sou a
favor da independência, mas não com esta classe política. Aqui na Espanha, os
políticos não ficam nada a dever aos seus pares brasileiros em termos de
corrupção e cara de pau. Muitos cidadãos percebem que a questão é manipulada
pelos políticos que usam isso como argumento para ter mais concessões do Estado
central.
Certa vez dei aula para um catalão,
de Barcelona, e perguntei qual era a posição dele em relação ao tema. Ele foi
enfático: quero a independência, mas não quero o Artur Mas como presidente da
Catalunha.
Para outro, perguntei sobre a
questão do ensino bilíngue (que o atual ministro da Educação quer diminuir).
Resposta: isso é querela política. O catalão vai continuar a ser ensinado em
casa, pelos pais, como tem sido nos últimos trezentos anos.
Aqui, na capital, os madrilenhos
costumam balançar a cabeça e falar do assunto como se fosse um capricho de
crianças. Aquela mesma cantilena “com esta crise que temos e lá vem esses
catalães falando de independência de novo...”
Porém, não se engane. Tenho dois
amigos brasileiros que estudaram e viveram na Catalunha e voltaram mais
independentistas que o time do Barcelona.
4- Porque é uma falácia o argumento de “opressão” e “exploração”.
Os políticos, assim como os
historiadores, adoram as palavras e sabem usá-las quando lhes convém. Fala-se
muito que a Espanha, o estado central, oprime a Catalunha desde a conquistada
no século 18. Realmente suas instituições foram fechadas na época e o catalão
reduzido à esfera privada; porém, o contexto era outro e aí sim, havia
opressão.
Na história recente isso era mais ou menos certo
no final do século 19 e na época de Franco, que proibiu o catalão e demais
símbolos catalães. Digo “mais ou menos” porque Franco restringiu à cultura
local, mas agradou os empresários barceloneses e catalães com indústrias,
bancos, incentivos fiscais, etc. Ditadores costumam ser arbitrários, mas não
estúpidos.
Com a volta da democracia e a
Constituição de 78, isso mudou. A região tem autonomia suficiente para fazer o
que bem entende, usar todos os seus símbolos e idioma. Entretanto fica bonito
colocar no discurso que “a Espanha nos oprime, nos explora, pobres de nós”,
etc.
Para mais argumentos históricos: http://www.vozbcn.com/2012/08/11/123473/diez-argumentos-contra-independencia/
5- Porque a União Europeia já avisou que não aceitará a Catalunha como
Estado independente:
A UE não vê com bons olhos outro
Estado formado a partir de uma cisão entre um Estado antigo. Por uma razão
muito simples: apesar de a Europa estar “pacificada” há muitas regiões que não
se reconhecem como pertencentes a uma nação. Ui! A lista é grande: Sérvia,
Bósnia, Kosovo, Irlanda do Norte, Escócia, Itália do Norte x Itália do Sul,
Alemanha Ocidental x Alemanha Oriental (sim, na prática ainda estão divididas),
Bélgica, Ucrânia, etc. Se a União Europeia concede este direito à Catalunha,
isso significa um apoio às outras aspirações nacionalistas. Não esqueça que a UE
tem a obrigação de conceder ajuda econômica aos estados membros que se
incorporam e não há tanta grana agora para fazê-lo.
A posição da França segue a mesma
lógica: isso é problema dos espanhóis. Vocês que são brancos que se entendam...
Para saber mais: http://www.economiematin.fr/les-experts/item/2576-separation-catalogne-espagne-europe-separatismes
6- Porque a Catalunha não tem condições econômicas para se sustentar:
Quem injeta dinheiro quando eles
precisam são a Espanha e, mais recentemente, a União Europeia. Várias das
infraestruturas construídas ali foram financiadas com dinheiro da UE. Até aí
nada demais, pois esse era um dos propósitos iniciais da UE. Aqui em Madri é
muito comum ver no metrô “obra financiada com recursos do Fundo Europeu tal”.
Fantástico. Todo mundo ganhou.
Para mais dados econômicos: http://www.abc.es/20120912/espana/abci-dijo-durante-diada-201209120838.html http://www.expansion.com/blogs/polo/2012/11/23/la-independencia-es-un-mal-negocio-para.html
7- Porque na Catalunha não vivem somente catalães:
Questão problemática: o que é um
catalão? O que é um espanhol? Na Catalunha tem o povo que fala catalão, torce
pro Barça, acha Barcelona melhor que Madri e etc. Mas também tem muita gente de
outras regiões da Espanha, notadamente da Andaluzia e Galícia, que levaram sua
cultura e língua também. Sim, porque existe o galego como idioma e o espanhol
da Andaluzia eu considero também outra língua porque é o mais difícil de
entender (brincadeira). Essa gente chegou lá nos anos 40, 50 e agora tem filhos
e netos.
E agora? Quem é catalão? Nascidos na
Catalunha? Com avós catalães? Essa gente toda vai virar “estrangeira” da noite
para o dia? E como a Espanha vai tratar os catalães que moram nas outras
regiões? Mistério...
Nota de pé de página:
Ao contrário do Brasil, aqui a
nacionalidade é definida pela região de onde você vem. Nunca vou me esquecer de
uma vez, dando a primeira aula de português para uma turma, com aquelas
perguntas clássicas: “qual é o seu nome?”, “quantos anos você tem?” e “qual é a
sua nacionalidade?”. A menina, de Badayona (pertinho de Barcelona), parou e me
perguntou:
- Você quer saber de onde eu venho
ou qual é a minha nacionalidade?
Gelei. Não é a mesma coisa? Não na
Espanha.
Ao fazer a mesma pergunta para um
aluno de um subúrbio de Barcelona ele foi mais sagaz:
- Aqui na Espanha eu sou catalão,
mas nos Estados Unidos e no estrangeiro eu sou espanhol.
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