sexta-feira, 25 de julho de 2014

Entrevista na creche

Olá, queridos!

       Semana passada um homem me ligou da  creche do pimpolho querendo marcar a entrevista. Ok. Dia tal e hora tal estaremos aí. No meu machismo, pensei que se tratasse de um coordenador pedagógico. Se é homem e trabalha numa creche deve ocupar um cargo de direção. Chegou o dia e lá fomos nós felizes. A diretora veio nos receber, fez uma festinha no pimpolho e disse:

       - Vou chamar o Fulano que será o responsável por ele este ano. - Oi ? Ele terá um "tio" ? Meu filho será cuidado por um homem e não uma mulher ?

       E eis que de repente vem um rapaz - um galinho garnizé, como diria minha mãe - todo contente.

       - Oi. Meu nome é Fulano. Eu cuido das crianças de um ano.

       Apertei a mão dele chocada. Choque cultural foi pouco. Será que é normal? Será que na Espanha é assim ou justo eu vou ter que passar por isso ? Gente, como sou machista! Por que um homem não pode escolher esta profissão? Aliás, justamente só os homens eram professores quando as escolas foram sistematizadas. Depois houve uma feminização da função,  e como consequência, o preconceito e os salários baixos. Os casos de pedofilia nada mais fizeram que reforçar o esteriótipo. Homem pode ser professor em creche em tempo parcial dando matérias específicas. Mas, e daí ? Estamos nos século 21, queridinha. Se a mulher pode ser pedreiro (a), o mesmo vale para o homem trabalhar numa creche.

       Fomos levados ao escritório e tivemos as perguntas de praxe: como foi o parto? Tem irmãos? Alergias? Come muito? Contato com outro idioma ? Dorme bem? O resto vocês imaginam...Mas tava me segurando. Meu filho, escuta aqui: você se formou onde? Aliás, você já é formado ?? Já terminou o ensino médio? Por que você trabalha como professor numa creche? Se eu fizesse essas perguntas, meu marido pedia o divórcio ali mesmo de tão envergonhado. Quando a conversa começou a ficar morna tive que mandar:

           - Desculpe, mas há quanto tempo você trabalha aqui?
           - Cinco anos.

           Ufa! Experiência o moço tem. Em seguida ele mostrou as dependências da creche para meu marido que não pode estar na primeira reunião e conhecemos a sala (fofa) que o pimpolho vai ficar. Enquanto meu marido pegava o elevador por causa do carrinho eu ia me remoendo: pergunto ou não pergunto a idade desse rapaz? Ele ia me explicando não sei que regras para pegar e buscar as crianças, mas eu nem prestava atenção. 20? 25? Ai, meu Pai!

             Quando meu marido chegou ao menos fiz a segunda pergunta que me atormentava:

              - Fulano, como eles te chamam? Pelo nome? De "tio"? (será que ele entendeu?). Lembrei da monografia de uma amiga que contestava a Paulo Freire: "Professora sim e tia também."

                - Nesta idade não costumam me chamar, mas os que já falam, às vezes de "papá" outras de "mamá", o que me deixa preocupado. - rimos todos- Mas me chamam pelo nome mesmo.

                Agora ou nunca: que idade você tem ? Abri a boca, mas meu marido já extendia a mão e se comprimentavam. Fiz o mesmo. Quando estávamos lá fora não desabafei: vai ser esse menino que vai tomar conta do nosso filho ? "Ele me passou confiança", respondeu meu marido. Nos despedimos e decidi levar o pimpolho para brincar no parquinho.

           Enquanto caminhava tentava me controlar minhas ideias pré-concebidas-subdesenvolvidas de achar que a escola deve ser a extensão da casa. O Brasil deve ser o único país do mundo em que a professora das crianças é chamada de "tia". No entanto, realmente descori o que me incomodava: passei para o outro lado. Sempre fui a professora. Eu já aguentei a desconfiança dos pais dos alunos, suportei que os alunos me perguntassem "além de dar aulas você trabalha?" e coisas do gênero. Agora, os papéis se inverteram.  Seria mãe de .... e não a professora de ... . Será que vou demorar a me acostumar?

       

             

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