Olá, queridos!
Este post vai ser mais longo que o habitual, mas espero que seja agradável e esclarecedor.
Dizem os entendidos que a sociedade demora uma geração para superar um trauma. Se entendemos como geração o espaço de vinte e cinco anos temos aí um bom número de anos para começar a falar de tragédias como o 11 de setembro, um desastre natural ou o 7x1 da última Copa. Como todos os números, este também é arbitrário e muito antes que se passe um quarto de século já debatemos sobre as causas e consequências que estes fatos tiveram em nossa vida.
A Primeira Guerra Mundial foi tão traumática para a França, que mal terminada a contenda surgiu a necessidade de perpetuar a memória do combate e dos combatentes. Levantar "Monumentos aos Mortos" foi uma das maneiras que se encontrou para extravasar este sentimento. Vamos tentar mostrar através deste pequeno texto como estes monumentos estão inscritos numa dupla função: preservar a memória da sociedade civil e ao mesmo tempo da nação. Assim os monumentos cumprem o papel de homenegear entes queridos, mas também de construir a memória coletiva em torno da qual se une este Ente que chamamos de nação.
Assim, em 1919, apenas um ano depois de terminado o conflito, começa-se a se costear e a erigir estes monumentos. Parte da financiação aportava o Estado, outra parte os municipios, mas principalmente, os cidadãos através de coletas e campanhas que se realizavam nas escolas, bairros ou igrejas. Aliás, me arrisco a dizer que toda igreja católica na França tem a lista dos seus paroquianos mortos em combate, inscritos em mármore. Como esta, em Paris, na igreja de saint-Germain l'Auxerrois, ao lado da ultra-turística Notre-Dame:
Apesar desses monumentos terem sido construídos especificamente para os mortos na I GGM o significado original dos mesmos vai se modificando com o passar dos anos como veremos em alguns exemplos abaixo. Igualmente, o monumentos foram concebidos para resistir ao tempo e por isso foram construídos em pedra, bronze, mármore ou outros materiais duraderos para que a mensagem se perpetuasse às gerações vindouras. Importante frisar que muitos foram inaugurados no dia 11 de novembro, dia da assinatura do armistício em 1918 e feriado na França.
Os monumentos aqui citados encontram-se no sul da França nas cidades de Toulouse, Pau, Castegnède e Saint-Lizier. Estas cidades guardam entre si o fato de não terem sido cenários de batalhas, porém vários habitantes estiveram combatendo nas Forças Armadas e nem todos voltaram.
Monumento aos Mortos de Toulouse - Em Tolouse, cidade francesa de 435 000 habitantes, o Monumento ao Mortos segue o modelo dos Arcos de Triunfo que desde a antiguidade eram utilizados para celebrar vitórias militares. Em 1919, sua construção foi proposta pela prefeitura e foi inagurado no dia 11 de novembro 1928, coincidindo com os dez anos do fim da guerra. Aliás, todo dia 11 de novembro se realiza ali a homenagem aos soldados.
O mais espetacular do monumento é um painel em baixo relevo com a figura dos soldados. São vários rostos amontoados, em diferentes expressões de dor, júblio, alívio, tristeza, etc. Remonta à vida apertada nas trincheiras, à camaradagem militar, aos sentimentos vividos em situações extremas como uma guerra. Igualmente, há uma inscrição de agradecimento àqueles que lutaram na guerra e uma epígrafe do Marechal Foch.
Monumento aos mortos de Pau - Este se encontra atrás da igreja de de são Martinho, no Boulevard des Pyrénéés, inaugurado em 11/11/1927. Trata-se de uma figura alegórica da França vitoriosa, mulher guerreira, com um capacete e um escudo com a inscrição "Justiça e Direito". Na base do monumento está a inscrição: "1914-1918 A cidade de Pau aos seus mortos gloriosos". Após a Segunda Guerra foi acrescida as datas "1939-1945". Não há nome de nenhum dos soldados locais inscritos no monumento.
Com o passar do tempo, a figura acabou por se tornar uma recordação para os soldados franceses de diversas batalhas. Desta maneira, se encontram também uma placa que lembra os mortos em combates na Algéria, Tunisia, Indochina e Marrocos. Ainda em 2009, duas placas de mármore foram colocadas na base com palavras em agradecimento aos soldados portugueses e espanhóis que lutaram pela liberação da França. Como se vê, um monumento não é estático e está longe de ser algo meramente ornamental.
Monumento aos mortos em Castagnède - No Brasil, Castagnède seria descrita como a cidade da "rua que vem e da rua que vai". A clássica cidadezinha de 195 habitantes que tem a igreja, a prefeitura e a escola. A única justificativa de ter parado ali foi a pequena igeja que me chamou a atenção; e justamente ao lado do templo, na entrada do cemitério, está o Monumento aos Mortos da Primeira Guerra Mundial.
Trata-se de um obelisco, com a cruz da Primeira Guerra e a inscrição: "Castegnède aos seus filhos caídos gloriosamente pela França. 1914-1918". Na base, escritos em letras douradas sobre um mármore negro, os nomes dos soldados que pereceram em combate. Para protegê-los - e assim formar um espaço "sagrado" - quatro obuses dourados guardam zelosamente o monumento.
O mais curisoso desde pequeno monumento é que ele guarda vários símbolos recorrentes na iconografia dos monumentos aos mortos da Primeira Guerra: a cruz estilizada, os obuses e os nomes dos soldados. Valeu muito a pena ter feito uma parada nesta cidadezinha só para conhecer esta jóia.
Monumento aos Mortos de Saint-Lizier - se não fosse a fabulosa igreja do século 12 que se ergue ao alto da colina, Saint-Lizier passaria desapercebida. A localidade conta com apenas 1453 habitantes e faz parte do Caminho de Santiago francês. Na praça da igreja está lá uma coluna, erigida em 1919, encimada com uma cruz latina em ferro trabalhado e com os nomes inscritos dos soldados que combateram não só no conflito de 1914-1918, mas também o capitão que faleceu na Segunda Guerra Mundial. Trata-se de mais um monumento que busca reunir em um só as duas guerras mundiais.
Um detalhe interessante é que há uma lei francesa de 1905 que proibe o uso de símbolos religiosos em monumentos que estão localizados locais públicos. Ao contrário do monumento anterior que estava pegado à igreja, este se encontrava no outro lado da rua. Entretanto, como a iniciativa foi dos paroquianos e anteriormente aqueles terrenos perteciam à paróquia, houve um consenso que era o símbolo mais adequado para homenagear os que tombaram nos campos de batalha.
Os monumentos aqui citados são uma pequena parte do que se pode encontrar na França em memória dos seus soldados. Através da leitura desses monumentos constatamos o desejo e perpetuar a memória familiar e íntima como se nota nos monumentos que trazem nome e sobrenome do soldado que morreu por causa da guerra.
Por outro lado, as figuras mais heróicas como figuras estilizadas e grandes construções querem perpetuar também o sentimento de sacrifício que os "filhos" (porque não se usa a palavra cidadão?) devem ter para com a sua "pátria".
Espero que esta pequena reflexão possa abrir os olhos do leitor para esses e outros monumentos.
Um historiador deve citar suas fontes e partilho as minhas. Todas estão em francês:
Sobre a história em geral dos Monumentos aos Mortos:
Les monuments aux morts de la Première Guerre Mondiale dans les cantons d’Avesnes nord et sud - http://www4b.ac-lille.fr/~rbarrault/images%20dans%20pages/conc_resist/monumorts/monumorts_plus.pdf
Les monuments aux morts de la premiere guerre mondiale dans le département du Rhône, section sud-ouest : http://halshs.archives-ouvertes.fr/docs/00/36/36/61/HTML/
Memóires des guerres 1914-1918: monuments aux morts: http://generateur.cg64.fr/minisites/archives/upload/monuments_aux_morts.pdf
Para cada cidade específica:
Toulouse: http://www.lejournaltoulousain.fr/toulouse/le-monument-aux-morts-allee-francois-verdier-16461
Pau: http://monumentsmorts.univ-lille3.fr/monument/6035/pau-presdeleglise/
Saint-Lizier: http://umanonaespanha.blogspot.com.es/2014/07/monumentos-aos-mortos-da-primeira.html
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